quinta-feira, 8 de maio de 2014

Sons do espaço ajudam a compreender ventos solares

Radiação cósmica convertida em faixas audíveis de frequencia ajudam a compreender fenômenos astrofísicos



(Scientific American Brasil) Se você estivesse caminhando pelo espaço e tocasse as cordas de um violão, você não ouviria nada – ondas sonoras não podem viajar pelo quase-vácuo do espaço. Ainda que inaudível para nós, porém, o “vazio” cósmico na verdade é uma cacofonia de partículas e ondas de luz. Quando núcleos atômicos e radiação atingem instrumentos científicos, eles podem ser entendidos, na prática, como os “sons” do espaço. Nós podemos ouvir as melodias ocultas do Universo.

Isso é possível porquê a sequência ou intensidade de partículas detectadas pode ser convertida em vibrações que ficam dentro do espectro auditivo dos seres humanos. Há muito tempo cientistas transformam dados inaudíveis nesse tipo de informação audível – imagine, por exemplo, o “bip... bip... bip” de um monitor cardíaco.

Muitos tipos de dados astronômicos já receberam esse tratamento de “sonificação”: de partículas do vento solar oriundas de nossa estrela, a raios gama viajando bilhões de anos-luz. Essas conversões audíveis ajudaram a alcançar o público e permitiram que deficientes visuais ouvissem o funcionamento do Universo.

Mas ouvir dados, ao que parece, também pode abrir novas fronteiras científicas. Isso se deve à incrível capacidade humana de procurar padrões e significados em sons. “O sistema auditivo é o melhor dispositivo conhecido de reconhecimento de padrões”, declara Bruce Walker, professor de psicologia e diretor do Laboratório de Sonificação do Instituto de Tecnologia da Georgia. “Se você estiver estudando um conjunto de dados e tentando entender o que está acontecendo, geralmente é mais fácil e mais eficiente ouvir o som em vez de ficar observando uma tela ou uma versão impressa”.

Um artigo publicado em The Astrophysical Journal em 2012 usou essa abordagem. A descoberta –várias formas de átomos de carbono carregados lançados pelo Sol podem revelar diferenças em temperaturas da atmosfera solar –surgiu a partir de dados que foram audiobilizados. “Eu estava ouvindo alguns dados solares brutos e percebi um zunido subjacente” conta Robert Alexander, coautor do artigo e especialista em sonificação do Grupo de Pesquisa Solar e Heliosférica da University of Michigan.

A frequência do zunido, 137,5 hertz, correspondia a um período de aproximadamente 27 dias no conjunto de dados comprimidos. Esse é o tempo necessário para que o Sol complete uma rotação. A duração implicava uma ligação com algum elemento superficial ou atmosférico, como uma região produzindo um tipo específico de vento solar, que ficava periodicamente de frente para a Terra. “Isso me deu a impressão de que aquele conjunto de dados poderia ser importante”, conta Alexander. As proporções de íons de carbono se provaram um indicador confiável de que o vento solar era de um desses tipos: “rápido” ou “lento”. Isso, por sua vez, indica as temperaturas das regiões de origem do vento na atmosfera solar.

A Nasa, elogiando esses inovadores resultados, concedeu a Alexander um financiamento para explorar mais aplicações da sonificação, e outros artigos ainda serão publicados. “Essa técnica pode ser aplicada a uma quantidade extremamente vasta de dados”, explica Alexander. “Se considerarmosa música uma ‘linguagem universal’, então podemos pensar que o som é uma plataforma universal para a pesquisa científica. Você pode usar dados de qualquer número de fontes diferentes, convertê-los em um arquivo de áudio e depois apertar ‘play’”.

Ao longo de sua história, a sonificação do espaço já produziu várias outras ideias inovadoras. Durante a Primeira Guerra Mundial, equipamentos primitivos de rádio captaram o fenômeno conhecido como “whistlers” (ondas apito, ou ondas assovio). Décadas depois, esses sinais fantasmagóricos foram ligados a quedas de raios. Relâmpagos provocam uma onda eletromagnética na sopa de gás ionizado, ou plasma, que fica ao redor da Terra. Altas frequências geradas durante o evento viajam mais rápido nesse meio, chegando a um receptor antes de frequências mais baixas – assim produzindo um efeito semelhante a um assovio.Explicar o funcionamento das whistlers ajudou a avançar a compreensão da física do plasma nos cinturões de radiação da Terra.

Depois que satélites começaram a vasculhar os céus, seus dados produziram outros ruídos enigmáticos, e por fim reveladores. Instrumentos da sonda Voyager 1, por exemplo, detectaram whistlers em Júpiter, fornecendo a primeira evidência indireta de relâmpagos Jovianos. A Voyager 1 também capturou o “som”, semelhante a um estrondo sônico [sonic boom], quando encontrou um arco de choque diante de Júpiter. Um arco de choque é a onda de choque formada onde o campo magnético do planeta gigante encontra o vento solar supersônico, semelhante ao fluxo curvado de água diante de um navio em movimento.

Don Gurnett, físico da University of Iowa e principal pesquisador do instrumento de ondas de plasma da Voyager 1, se dedicou a essas gravações que achava intrigantes. “Eu venho colecionando essas coisas quase desde o ínico da era espacial, em 1962”, declara Gurnett. “Eu tenho uma caixa de fitas cassete aqui na prateleira do meu escritório”. (A maioria das amostras foi publicada online em http://www-pw.physics.uiowa.edu/space-audio/sounds/).

Outros pesquisadores pegaram dados semelhantes e lhes deram uma maquiagem digital, traduzindo-os em sons tocados por instrumentos musicais virtuais. De acordo com Marty Quinn, pesquisador de sonificação da University of New Hampshire, essas composições podem engajar o público de uma maneira que transcende imagens e palavras.

Quinn compõe sonificações desde o início dos anos 90, com projetos que vão de calotas polares marcianas, à faixa de energia nos limites do sistema solar. Seu trabalho mais recente é o CRaTER Live, uma estação de rádio por streaming online, baseada em partículas que atingem o Telescópio de Raios Cósmicos para os Efeitos da Radiação (CRaTER, em inglês) do Orbitador de Reconhecimento Lunar. A afinação, tom e seleção de certos instrumentos musicais (piano, tambor de aço e violão, por exemplo) na composição espontânea reflete a intensidade da radiação bombardeando a sonda espacial.

Professores contaram a Quinn o quanto seus alunos gostaram de ouvir o trabalho. A cognição aumenta, de acordo com ele, quando adicionamos elementos auditivos. “Eu sinto que aumentei minha percepção”, comenta Quinn. “Em vez de simplesmente observar gráficos ou visualizações, eu posso aprender mais ao ouvir os dados na forma de música... e ouvir música é algo que adoramos fazer de qualquer forma”.

Exemplos de registros astronômicos transformados em sons http://youtu.be/2wvPe9OA1qA e http://youtu.be/OOszY79xSkQ

Nenhum comentário:

Postar um comentário